quarta-feira, 21 de outubro de 2015

AMOR


“Quando eu me amo eu me liberto do peso e da necessidade de que você me ame”
(Claudinei Almeida Milsone)

AMOR

Nenhuma palavra no mundo foi tão definida, conceituada e debatida quanto a palavra amor. Ela aparece nos textos religiosos, literários, em poesias, canções e em todas as formas de expressão possíveis e imaginárias. De tudo que eu já li, vi, ouvi e presenciei a respeito do amor, a definição que mais se aproxima da essência e da pureza transmitida por essa palavra foi dada por Naomi Raiselle, nos seguintes termos extraído da página 97 do livro: O Livro do Perdão – O Caminho para o Coração Tranquilo, de autoria de Robin Casarjian, Editora Rocco, 3ª edição.

“O Amor não é mais nem menos do que a expressão simples, honesta e natural da nossa totalidade, da nossa completa auto-aceitação”
Essa definição de Amor me faz lembrar de uma música da década de 80, da Banda Ultraje a Rigor, chamada Eu me Amo. Para quem não viveu essa fase ou não se lembra da canção, segue a letra abaixo:

Há quanto tempo eu vinha me procurando
Quanto tempo faz, já nem lembro mais
Sempre correndo atrás de mim feito um louco
Tentando sair desse meu sufoco
Eu era tudo que eu podia querer
Era tão simples e eu custei pra aprender
Daqui pra frente nova vida eu terei
Sempre a meu lado bem feliz eu serei
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim
Como foi bom eu ter aparecido
Nessa minha vida já um tanto sofrida
Já não sabia mais o que fazer
Pra eu gostar de mim, me aceitar assim
Eu que queria tanto ter alguém
Agora eu sei sem mim eu não sou ninguém
Longe de mim nada mais faz sentido
Pra toda vida eu quero estar comigo
Foi tão difícil pra eu me encontrar
É muito fácil um grande amor acabar, mas
Eu vou lutar por esse amor até o fim
Não vou mais deixar eu fugir de mim
Agora eu tenho uma razão pra viver
Agora eu posso até gostar de você
Completamente eu vou poder me entregar
É bem melhor você sabendo se amar

Outra definição interessante e que merecer ser trazida nesse contexto foi dada por Clovis de Barros Filho, professor de Ética, da Escola de Comunicações e Artes da USP, em entrevista ao Jô Soares:

“Pare pra pensar. Se você vai ter que conviver com você mesmo até o fim, se você vai ter que se aguentar até o fim, se você vai ser expectador de você mesmo até o fim, é melhor que se encante com você e com o que você faz, senão dificilmente a vida vai valer a pena”
Continuando nessa linha de raciocínio, mas trazendo à tona uma visão mais Espiritualista do Amor, quem não conhece a máxima, que não é contestada por nenhuma crença ou religião, que diz: “Ame o próximo como a ti mesmo”, ou em outras palavras ame o próximo do mesmo jeito como você se ama.

Veja que tanto na frase acima, como na letra da música, no texto extraído do livro e no pensamento do professor Clóvis, o EU ou o TI MESMO vem antes.

Porque estou falando de tudo isso?

Não, eu não estou convidando ninguém a ser narcisista ou nutrir um sentimento de apego a si mesmo, pelo contrário.

 O fato é que nos venderam uma ideia errônea de que somos seres incompletos. Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer: “Eu preciso achar minha alma gêmea”, ou, “Quando é que vou encontrar minha tampa”, ou ainda, “Minha outra metade está perdida por aí”.

Toda vez que as pessoas falam de Amor elas sempre colocam mais alguém nessa relação e dividem em Amor de Mãe ou Amor de Pai (tem um filho nessa relação), Amor de Esposa ou Amor de Marido (existe o cônjuge), Amor de Irmão (há um irmão no meio), Amor de Amigo (há uma outra pessoa ligada pelo vínculo da amizade).

Não há nada de errado nessas definições, todavia, elas nos trazem uma falsa percepção de que somente seremos felizes ou completos quando tivermos outra pessoa em nossa vida e nos esquecemos de que já nascemos completos. E agindo dessa forma invertemos o processo natural do Amor, que ao invés de se manifestar de dentro para fora passa a manifestar-se de fora para dentro.

Todos devem concordar que nós só doamos aos outros aquilo que temos. Por exemplo, se eu parar em um semáforo e uma criança pedir para eu comprar um pacote de balas eu só vou concretizar tal fato se tiver dinheiro em meu bolso ou carteira, caso contrário, mesmo que eu queira não vou poder ajudar.

Da mesma forma, se uma pessoa espere que eu a ame incondicionalmente eu só vou conseguir atender a sua expectativa se antes eu me amar incondicionalmente. Se alguém me ofender ou me prejudicar e após vier pedir perdão eu somente conseguirei perdoar se antes eu tiver aprendido a me perdoar. Se o outro aguarda minha compreensão isso só será possível se eu antes tenha aprendido a ser compreensivo comigo mesmo.

Mais uma vez, somente doamos aos outros aquilo que temos dentro de nós. Portanto, torna-se impossível eu amar, perdoar, compreender meu semelhante se eu não consigo agir desta forma comigo mesmo.

Portanto, não é o outro que tem que me completar, mas sim eu mesmo, pois uma vez completo fica fácil de compartilhar o amor, o perdão, a compreensão a todas as pessoas.

Agora, se eu jogo essa responsabilidade para o outro e este vem a faltar ou a me abandonar eu volto a ser incompleto, infeliz, a viver sem amor. Nestes casos, não estamos falando de Amor, mas de ilusões, de romances, paixões, vícios, moedas de troca, tudo menos Amor, pois o verdadeiro Amor está em nosso interior e nuca nos abandona.

Quantas vezes não ouvimos pessoas afirmando:  “Ah fulano se matou por Amor”, ou, “Beltrano matou o outro por Amor”. São os chamados crimes passionais. Isso pode ser tudo, posse, obsessão, mas jamais Amor. Suicídio, Homicídio, Crimes Passionais não podem ser sinônimo de Amor.

O verdadeiro Amor é aquele que liberta, que deseja a felicidade da outra pessoa mesmo que não seja ao seu lado. É o apego com desapego. Isso não impede de que eu sinta saudades, mas de uma forma saudável e que é perfeitamente compatível com a essência e a pureza do Amor.

Desta forma, o verdadeiro Amor está dentro de nós, e ele por si só nos completa, nos faz inteiro e quando eu alcanço sua essência e sua pureza torna-se fácil compartilhá-lo com todas as pessoas que cruzam o meu caminho, sem qualquer tipo de amarras. Passamos a ser multiplicadores desse sentimento mágico.

A escritora Martha Medeiros tem um pensamento análogo que vai ao encontro do texto e que merece ser transcrito:

“Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta. A gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável”.
Assim, a medida que a compaixão e o entendimento sobre nós mesmos cresce, começamos a experimentar a verdadeira realidade do amor em nossas vidas.

Entretanto, não se preocupe se você ainda não alcançou esse estágio, pois o amor é paciente e ele aguarda por trás das nossas frágeis ilusões o dia em que alcançaremos a nossa glória inata.

E para inspirá-los, fiquem com a letra da música Monte Castelo, da Banda Legião Urbana:

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece
O amor é o fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria
É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder
É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É um ter com quem nos mata a lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor

Estou acordado e todos dormem
Todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

NAMASTÊ
“O Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você”

(Texto de Autoria de Claudinei Almeida Milsone)


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A HISTÓRIA DE MEGAN


A HISTÓRIA DE MEGAN


Eu estava pronta a deixar meu emprego. Eu já tinha chegado ao ponto em que detestava acordar de manhã, cheia de ansiedade quanto ao dia que nascia. A verdade é que eu adorava a minha posição como vendedora; eu gostava da linha de produtos e da maioria dos meus colegas. Era a minha chefe, a gerente do meu departamento que me deixava louca. Dificilmente passava um dia sem que ela achasse alguma coisa errada no meu trabalho e, embora fosse a vendedora que mais ganhava comissões naquela divisão, a minha chefe, Joanna, sempre achava algo errado. Eu estaria trabalhando na minha mesa quando ouvisse a voz fria de Joanna pedindo que eu fosse ao seu escritório.

Enquanto caminhava pela sala, eu percebia que o meu maxilar estava cerrado e que as minhas mãos haviam se fechado em punhos. Uma vez dentro do seu escritório, encarando o seu rosto zangado, eu tinha que responder a uma lista de checagem ritual de "Você fez______?" "Você cuidou da______?".
Ela continuava até que eu estivesse pronta para esganá-la. Muitas vezes, ela encontrava alguma pequena omissão para poder me criticar.

A essa altura, eu estava tão zangada que, ao voltar para a minha mesa, passava algum tempo fazendo buracos no meu mata-borrão com a caneta, enquanto pensava em fantasias de vingança.

Quando fui ao meu exame médico anual, o médico me preveniu que a minha pressão sanguínea e o meu colesterol estavam subindo. Ele perguntou sobre o meu nível de estresse no trabalho e me aconselhou a tomar alguma atitude. Na semana seguinte, um amigo me convidou a uma palestra sobre o "perdão". Nem me lembrei de Joanna quando fui à palestra. Para mim, ela estava além do perdão. Mas eu achei que talvez fosse hora de pensar em perdoar um antigo namorado - e além disso, era uma ocasião de ver o meu amigo.

As idéias que foram apresentadas lá eram completamente novas para mim e, para minha surpresa, fiquei inspirada a realmente começar a aplicá-las no meu relacionamento com Joanna. No dia seguinte, prometi a mim mesma que veria tudo que Joanna fizesse como um sinal de medo ou insegurança - e quando pensei bem sobre isso, soube que estava certa. Quando ela me chamou, respirei fundo três ou quatro vezes e caminhei o mais calmamente possível para o seu escritório. Foi a mesma rotina, mas dessa vez eu me lembrei de respirar fundo e tentei praticar o perdão.

Pela primeira vez, olhei bem para o seu rosto e vi marcas profundas do que parecia ser medo e raiva. Dessa vez eu elaborei as minhas respostas, tentando assegurar-lhe de que eu estava tomando conta dos negócios e de que tudo estava coberto. Inesperadamente, o rosto de Joanna suavizou-se um pouco. O questionário foi um pouco menor e ela disse adeus com um calor pouco característico.

No dia seguinte, eu soube que seu filho adolescente sofria de um problema de saúde raro (o que aconteceu poucos meses depois do seu divórcio). A minha percepção de Joanna mudou de uma figura materna crítica e acuadora para a de uma mulher sobrecarregada, estressada e assustada. A medida que eu cultivava essa nova compreensão, comecei a ver que sob todo o medo, culpa e julgamento estava apenas outro ser humano tentando conseguir amor, reconhecimento e atenção do modo que achava melhor. O seu trabalho havia se tornado o último bastão de controle, de modo que ela lutava desesperadamente para garantir o sucesso do seu departamento. Agora, ao invés de querer matar Joanna, eu comecei a querer ajudá-la. Quanto mais eu fazia isso, menos medo ela tinha. Incrivelmente, ela passou a confiar em mim e ficamos amigas. Embora às vezes ela volte ao seu antigo comportamento quando está sob muita pressão, já não levo isso para um nível pessoal. Gosto de ir trabalhar e sinto-me mais produtiva porque não gasto tanta energia ficando zangada ou me recuperando das minhas reuniões.

História extraída do: "O LIVRO DO PERDÃO O CAMINHO PARA O CORAÇÃO TRANQUILO,                                 editora Rocco, 3ª edição, de autoria de Robin Casarjian.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A HSTÓRIA DE TERRY

A HSTÓRIA DE TERRY


Um ponto marcante na minha vida aconteceu um dia, num trem nos subúrbios de Tóquio. Era o meio de uma preguiçosa tarde de primavera e o vagão estava relativamente vazio - umas poucas donas de casa indo às compras junto com os filhos, algumas pessoas idosas, um par de garçons no dia de folga lendo o resultado das corridas. O vagão velho e barulhento estava de uma maneira monótona sobre os trilhos, enquanto eu espiava distraidamente as casas desbotadas e as sebes empoeiradas.

Numa pequena estação sonolenta, as portas se abriram e a tarde modorrenta foi quebrada por um homem berrando a plenos pulmões. Uma série de violentas imprecações vibraram no ar. Pouco antes das portas fecharem, o homem ainda gritando, entrou cambaleando no vagão. Era um enorme operário japonês, bêbado e imundo. Seus olhos injetados pareciam dois faróis vermelhos e sua face estava rubra de raiva e ódio. Gritando palavras ininteligíveis, avançou contra a primeira pessoa que viu - uma mulher segurando um bebê. O golpe pegou de raspão no seu ombro, mas a fez rodar pelo carro até cair sobre um casal idoso. Foi um milagre o bebê sair ileso. O casal se levantou num salto e fugiu para o outro lado do vagão. O operário mirou um chute nas costas da anciã. "Sua velha vadia", ele urrou, "Vou chutar seu rabo". Ele errou e a velha senhora escapou para longe do seu alcance. Completamente fora de si, o bêbado agarrou uma das barras de ferro no centro do vagão e tentou arrancá-lo do seu encaixe; pude ver que uma das suas mãos estava sangrando. O trem seguia balançando, os passageiros mortos de medo. Fiquei de pé.

Naquela época eu era um jovem e estava em boa forma. Tinha 1,83 m de altura, pesava 102 Kg e treinava oito horas de aikidô por dia há três anos. Eu estava totalmente obcecado pelo aikidô, não me cansava de praticar. Gostava principalmente dos treinos mais difíceis. O problema era que minha habilidade nunca fora testada numa luta de verdade. Éramos severamente proibidos de utilizar em público as técnicas do aikidô, a não ser quando fosse absolutamente necessário defender outras pessoas. Meu mestre, o fundador do aikidô, nos ensinava todas as manhãs que o aikidô não era violento. O aikidô, ele sempre repetia, "É a arte da reconciliação. Usá-lo para fortalecer o ego, ou para dominar outras pessoas, é trair totalmente o seu propósito. Nossa missão é solucionar conflitos, não gerá-los". Eu escutei suas palavras, é claro, e até cheguei a atravessar a rua algumas vezes para evitar grupos de desordeiros que poderiam ter me oferecido uma briga para testar as minhas habilidades. Nos meus devaneios, porém, eu desejava uma situação legítima para defender os inocentes, arrasando com os culpados. E essa situação havia aparecido na minha frente, para minha grande alegria. Meus pedidos haviam sido atendidos. Pensei com meus botões: esse cafajeste, esse animal, está bêbado, grosseiro e violento. É uma ameaça à ordem pública e vai ferir alguém se eu não agir. A necessidade é real. Meu sinal ético está  verde.

Ao ver-me de pé, o bêbado me fuzilou com os olhos. "Arrá", rugiu ele, "Um moleque cabeludo estrangeiro precisa de uma lição de boas maneiras japonesas". Eu estava segurando a alça do trem, aparentemente desequilibrado, fingindo desinteresse.

Olhei para ele com desprezo insolente, que queimou no seu cérebro como uma brasa na areia molhada. Eu o faria em pedaços. Ele era grande e mau, mas estava bêbado. Eu era grande, mas treinado e completamente sóbrio. Ele berrou "Você quer uma lição sua besta?". Eu não disse nada, mas lancei-lhe um olhar gélido. Ele se preparou para vir para cima de mim com toda a força. Ele nunca iria saber o que o atingira.

Uma fração de segundo antes de ele se mover, alguém gritou "Ei", bem alto. Foi um som agudo quase ensurdecedor, mas com uma estranha alegria - como se você  e um amigo estivessem procurando algo e ele subitamente encontrasse o que buscava.

Girei para a minha esquerda e o bêbado para a direita. Nós dois vimos um velhinho. Ele devia ter mais de setenta anos, esse senhor minúsculo, impecável no seu quimono e hakama. Ele não me deu nenhuma atenção, mas sorriu alegremente para o operário, como se fosse dividir um segredo importante e agradável.

"Vem cá", chamou o velhinho. "Vem cá falar comigo". Ele acenou levemente e o bêbado seguiu como se estivesse preso a um barbante. Ele estava confuso, mas ainda agressivo " O que você quer seu velho idiota?", ele perguntou, rugindo mais alto que o barulho do trem. O bêbado agora estava de costas para mim. Eu podia ver os seus cotovelos, dobrados como se estivesse pronto para socar. Se eles se movessem um milímetro, eu o acertaria.

O velho continuou a sorrir. Não havia nele nenhum traço de ressentimento ou medo. "O que você andou bebendo?", perguntou, os olhos brilhando de interesse.

"Eu estava bebendo saquê, seu porco sujo", gritou o operário, "O que você tem a ver com isso?"

"Oh, isso é maravilhoso", deliciou-se o velho, "absolutamente maravilhoso!. É que eu adoro saquê. Toda noite eu e minha esposa (ela tem 67 anos, sabe?) aquecemos uma garrafinha de saquê e levamos para o jardim, onde sentamos no velho banco que um estudante do meu avô fez para ele. Nós vemos o sol se pôr e como está a nossa árvore. Meu avô plantou aquela árvore, você sabe, e estamos preocupados para saber se ela se recuperará dessa tempestade de granizo do último inverno. Caquizeiros não se recuperam bem depois de tempestades de granizo, embora eu deva dizer que o nosso tenha se saído melhor do que eu esperava, especialmente quando você leva em conta a má qualidade do solo. Mas, de qualquer maneira, levamos mossa garrafa de saquê e apreciamos o anoitecer junto da nossa árvore. Mesmo quando chove!" Ele sorriu para o operário, seus olhos brilhando, feliz por compartilhar a informação maravilhosa.

Enquanto tentava seguir a intrincada conversa do velho, a expressão do bêbado foi se atenuando. Seus punhos se abriram lentamente. "É", disse ele, quando o velhinho terminou, "Eu também gosto de saquê..." Sua voz foi diminuindo.

"Sim", sorriu o velho, "e eu estou certo que a sua mulher é maravilhosa".

"Não", replicou tristemente o operário, "eu não tenho mulher". Ele deixou pender a cabeça e balançou silenciosamente, acompanhando o movimento do trem. E então, com uma surpreendente suavidade, começou a a soluçar. "Eu não tenho esposa", gemeu ritmicamente, "eu não tenho casa, eu não tenho roupas, eu não tenho ferramentas, eu não tenho dinheiro e agora eu não tenho um lugar para dormir. Eu estou tão envergonhado". Lágrimas rolavam pelo rosto do grandalhão  e um espasmo de puro desespero sacudiu o seu corpo. Acima do bagageiro, um anúncio colorido exaltava as virtudes da vida luxuosa dos subúrbios. A ironia era quase insuportável. e subitamente senti-me envergonhado. Me senti mais sujo nas minhas roupas limpas e na minha pose de tornar o mundo seguro para a democracia do que aquele operário jamais se sentiria.

"Ora, ora", riu compassivamente o velhinho, embora a sua alegria não diminuísse. "É realmente uma situação muito difícil. Por que não se senta aqui e me fala sobre isso?"

Nesse momento, o trem parou no meu ponto. A plataforma estava cheia e a multidão avançou para dentro do vagão assim que as portas se abriram. Manobrando para sair, olhei para trás pela última vez. O operário estava esparramado como um saco no banco, com a sua cabeça no colo do velhinho. O ancião olhava para ele generosamente, uma mistura beatífica de deleite e compaixão brilhando nos seus olhos, uma das mãos acariciando a cabeça suja.

Enquanto o trem saia da estação, eu me sentei num banco e tentei reviver a experiência. Vi que o que eu estava preparado para conseguir com osso e músculo fora realizado com um sorriso e algumas palavras gentis. Reconheci que vira o aikidô em ação e que sua essência era a reconciliação, como o fundador dissera. Me senti estúpido, grosseiro e brutal. Soube que teria que praticar com um espírito totalmente diferente e que um longo período se passaria antes que eu pudesse falar com conhecimento de causa sobre o aikidô ou sobre a solução de conflitos.

História extraída do: "O LIVRO DO PERDÃO O CAMINHO PARA O CORAÇÃO TRANQUILO, editora Rocco, 3ª edição, de autoria de Robin Casarjian.